sábado, 13 de junho de 2009

URUBUS E SABIÁS

Do livro Estórias de quem gosta de ensinar. O fim dos Vestibulares
Tudo aconteceu numa terra distante, no tempo em que os bichos
falavam... Os urubus, aves por natureza becadas, mas sem
grandes dotes para o canto, decidiram que, mesmo contra a natureza
eles haveriam de se tornar grandes cantores. E para isto fundaram
escolas e importaram professores, gargarejaram dó-ré-mi-fá, mandaram
imprimir diplomas, e fizeram competições entre si, para ver quais deles
seriam os mais importantes e teriam a permissão para mandar nos
outros. Foi assim que eles organizaram concursos e se deram nomes
pomposos, e o sonho de cada urubuzinho, instrutor em início de carreira,
era se tornar um respeitável urubu titular, a quem todos chamam de
Vossa Excelência. Tudo ia muito bem até que a doce tranqüilidade da
hierarquia dos urubus foi estremecida. A floresta foi invadida por bandos
de pintassilgos tagarelas, que brincavam com os canários e faziam
serenatas para os sabiás... Os velhos urubus entortaram o bico, o rancor
encrespou a testa , e eles convocaram pintassilgos, sabiás e canários
para um inquérito.
— Onde estão os documentos dos seus concursos? E as pobres
aves se olharam perplexas, porque nunca haviam imaginado que tais
coisas houvesse. Não haviam passado por escolas de canto, porque o
canto nascera com elas. E nunca apresentaram um diploma para provar
que sabiam cantar, mas cantavam simplesmente...
— Não, assim não pode ser. Cantar sem a titulação devida é um
desrespeito à ordem.
E os urubus, em uníssono, expulsaram da floresta os passarinhos
que cantavam sem alvarás...
MORAL: Em terra de urubus diplomados não se ouve canto de sabiá.
RUBEM ALVES

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